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Água mineral

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Valtão chegou na roda com notícia de que tinha largado todos os vícios. Como o Valtão tinha mesmo todos os vícios, foi recebido com incredibilidade barulhenta. Vaias, risadas, “Tá bom” e “Conta outra, Valtão”. Mas Valtão estava sério. Para dramatizar sua nova disposição, pediu ao garçom:  ― Alberico: uma mineral.  Alberico hesitou. Servia a turma há dez, doze anos e nunca ouvira um pedido igual. Talvez tivesse ouvido errado.  ― Uma quê?  ― Uma mineral. Água mineral. Mi-ne-ral.  Alberico de boca aberta. Na falta de precedentes, precisava de mais detalhes.  ― Com ou sem gás?  Valtão não respondeu em seguida. Ficou olhando para Alberico, como se a resposta estivesse em algum lugar do seu rosto. Estava decidido a largar todos os vícios, começando pela bebida. Era um homem novo. Um homem que tomava mineral. Mas com ou sem gás?  ― Sem – disse Valtão.  Houve um murmúrio na mesa. O próprio Valtão se assusto...

Diálogo da relativa grandeza

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(...)  Doril não disse mais nada, qualquer coisa que ele dissesse ela aproveitaria para outra acusação. Era difícil tapar a boca de Diana, ô menina renitente. Ele preferiu continuar olhando o louva-a-deus. Soprou-o de leve, ele encolheu-se e vergo o corpo para o lado do sopro, como faz uma pessoa na ventania. O louva-a-deus estava no meio de uma tempestade de vento, dessas que derrubam árvores e arrancam telhados e podem até levantar uma pessoa do chão. Doril era a força que mandava a tempestade e que podia pará-la quando quisesse. Então ele era Deus? Será que as nossas tempestades também são brincadeiras? Será que quem manda elas olha para nós como Doril estava olhando para o louva-a-deus? Será que somos pequenos para ele como um gafanhoto é pequeno para nós, ou menores ainda? De que tamanho, comparando – do de formiga? De piolho de galinha? Qual será o nosso tamanho mesmo, verdadeiro?  Doril pensou, comparando as coisas em volta. Seria engraçado se as pessoas f...

Trecho de O conto da ilha desconhecida

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(...)  Não valia a pena ter-se preocupado tanto. O sol havia acabado de sumir-se no oceano quando o homem que tinha um barco surgiu no extremo do cais. Trazia um embrulho na mão, porém vinha sozinho e cabisbaixo. A mulher da limpeza foi esperá-lo à prancha, mas antes que ela abrisse a boca para se inteirar de como lhe tinha corrido o resto do dia, ele disse, Está descansada, trago aqui comida para os dois, E os marinheiros, perguntou ela, Não veio nenhum, como podes ver, Mas deixaste-os apalavrados, ao menos, tornou ela a perguntar, Disseram-me que já não há ilhas desconhecidas, e que, mesmo que as houvesse, não iriam eles tirar-se do sossego dos seus lares e da boa vida dos barcos de carreira para se meterem em aventuras oceânicas, à procura de um impossível, como se ainda estivéssemos no tempo do mar tenebroso, E tu, que lhes respondeste, Que o mar é sempre tenebroso, E não lhes falaste da ilha desconhecida, Como poderia falar-lhes eu duma ilha desconhecida, se não a c...

Cena 4

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_______________________________________________ (...) Orgon, o chefe da família; Cleante, cunhado de Orgon; Dorina, a empregada. ORGON Ah! Bom dia, meu caro cunhado! CLEANTE Eu estava de saída, e estou feliz em te ver de volta: os campos já não têm tantas flores. ORGON Dorina... Meu caro cunhado, espera, por favor. Deixa que, para me tranquilizar, eu me informe sobre as novidades da casa. Tudo correu bem estes dois dias por aqui? O que fizeram? Como vão todos? DORINA A patroa teve febre anteontem até a noite, com uma dor de cabeça muito forte. ORGON E o Tarfuto? DORINA O Tartufo? Vai maravilhosamente bem. Forte e gordo, corado e de lábios rosados. ORGON Coitado! DORINA De noite, ela ficou muito enjoada e não conseguiu comer nada no jantar, tamanha a dor de cabeça! ORGON E o Tartufo? DORINA Jantou sozinho, diante dela, e com muita devoção comeu duas perdizes com meio pernil de carneiro ao molho. ORGON Coitado! DORINA Ela não conseguiu fechar os ...