Água mineral



Valtão chegou na roda com notícia de que tinha largado todos os vícios. Como o Valtão tinha mesmo todos os vícios, foi recebido com incredibilidade barulhenta. Vaias, risadas, “Tá bom” e “Conta outra, Valtão”. Mas Valtão estava sério. Para dramatizar sua nova disposição, pediu ao garçom: 

― Alberico: uma mineral. 

Alberico hesitou. Servia a turma há dez, doze anos e nunca ouvira um pedido igual. Talvez tivesse ouvido errado. 

― Uma quê? 

― Uma mineral. Água mineral. Mi-ne-ral. 

Alberico de boca aberta. Na falta de precedentes, precisava de mais detalhes. 

― Com ou sem gás? 

Valtão não respondeu em seguida. Ficou olhando para Alberico, como se a resposta estivesse em algum lugar do seu rosto. Estava decidido a largar todos os vícios, começando pela bebida. Era um homem novo. Um homem que tomava mineral. Mas com ou sem gás? 

― Sem – disse Valtão. 

Houve um murmúrio na mesa. O próprio Valtão se assustou com o que tinha dito. Água mineral sem gás era água pura. Ele queria água pura? Queria. Tinha que ser assim. Um corte limpo. De todas as bebidas para a água pura. Estava certo. 

Como o Alberico continuasse na sua frente, em estado de choque, Valtão repetiu: 

― Sem. 

Mas quando o Alberico se virou para ir buscar a água, Valtão fraquejou. Talvez fosse melhor... Chamou o Alberico de volta. 

― Olha aí: traz com gás. E para os outros, racionalizou: 

― Nessas coisas é melhor ir por etapas. 

O alívio na mesa foi evidente. Ninguém ali estava preparado para radicalismos. Não assim, não num fim de tarde de domingo. A água pura seria uma intrusa na mesa. Um constrangimento. A virtude com gás era manejável. Era recorrível. 

Com bolinha ainda tinha papo. 


(Luis Fernando Verissimo, em A Mesa Voadora.)

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