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Mostrando postagens de janeiro, 2012

Época genial

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Em uma ocasião de total despreocupação, sentei-me ao lado do meu professor de filosofia na faculdade, durante o intervalo do seminário semestral de Literatura e Cultura, proporcionado pela instituição de ensino que frequentei há uns anos. Ele era um senhor de moderados gestos, fala calma, tom sincero e sábio. Tudo nele combinava com um filósofo, pelo menos com um que eu idealizava. Ouvi-lo, mesmo contando o caso mais banal, era sempre um aprendizado, um mestre nato. Estávamos lá, olhando o movimento das pessoas e falando sobre programas de televisão em nossos dias. Muitas opiniões comuns, discursos surrados que ouvimos sobre exposição da violência, da imoralidade, da futilidade... essas coisas que estão aí na tela, é só ligar o aparelho e colocar em qualquer canal. O assunto evoluiu até chegarmos às personalidades inteligentes. Durante a conversa, concluí que eu tinha uma pontinha de tristeza por ter nascido numa época em que não se ouvia falar muito dos grandes gênio

Kramp

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Narro o fato como se fosse um filme rodando ao contrário. Naquele instante, corpo imóvel, cobertor a proteger quase tudo, apenas a cabeça de fora, parecia mais uma tartaruga, uma espécie de casulo, silêncio quebrado apenas por suspiros ofegantes, um pequeno filete desce pelo canto da boca, talvez pelo fato de ter dificuldades em respirar, os olhos apresentam algumas sequelas e estão revirados, como se estivesse entorpecido por alguma droga. Essa inércia deveria ser interrompida. Nesse caso, o uso de um desfibrilador fosse a solução. A primeira carga contrairia apenas uma das pernas, porém as outras cargas dariam mais resultados. Encolhe o corpo e começa a se debater, contorcendo-se todo, luta desesperadamente contra um forte choque vindo da parte inferior do corpo. Não sabe o que acontece. Ainda tonto consegue abrir os olhos, tudo escuro, algo está puxando. Será que é um sonho? Sente dor. Meu Deus! O que é isso? Engatinhando, tenta ficar de pé e perde o equilíbrio, apenas uma pern

Tempestade ou copo d'água?

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2012: o cinema já deu versão, os cientistas continuam as pesquisas, a população se divide entre arrumar as malas ou arranjar mais dívidas...  É o fim do mundo, segundo algumas certezas antigas e os acontecimentos naturais confirmam (ondas solares, terremotos, erupções vulcânicas, nova edição do BBB); são as profecias...  As religiões se preparam para o salvamento e para agradecerem o milagre no dia seguinte; nenhum pânico em massa substancialmente organizado, mas algumas massas entram em um pânico secreto... Vamos vender todos os nossos bens (dinheiro pode ser necessário), restabelecer velhos laços de amizade e familiares, perdoar, pedir perdão, comer tudo o que sempre quis, adiantar as férias (melhor ainda, pedir demissão), ou, simplesmente se plantar de frente à paisagem favorita e pensar seriamente naquela pergunta sem resposta, com a qual sofremos desde os tempos mais remotos, tal qual uma pedrinha no sapato que, por muitas vezes, causa-nos sérias irritações, e que

Água mineral

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Valtão chegou na roda com notícia de que tinha largado todos os vícios. Como o Valtão tinha mesmo todos os vícios, foi recebido com incredibilidade barulhenta. Vaias, risadas, “Tá bom” e “Conta outra, Valtão”. Mas Valtão estava sério. Para dramatizar sua nova disposição, pediu ao garçom:  ― Alberico: uma mineral.  Alberico hesitou. Servia a turma há dez, doze anos e nunca ouvira um pedido igual. Talvez tivesse ouvido errado.  ― Uma quê?  ― Uma mineral. Água mineral. Mi-ne-ral.  Alberico de boca aberta. Na falta de precedentes, precisava de mais detalhes.  ― Com ou sem gás?  Valtão não respondeu em seguida. Ficou olhando para Alberico, como se a resposta estivesse em algum lugar do seu rosto. Estava decidido a largar todos os vícios, começando pela bebida. Era um homem novo. Um homem que tomava mineral. Mas com ou sem gás?  ― Sem – disse Valtão.  Houve um murmúrio na mesa. O próprio Valtão se assustou com o que tinha dito. Água mineral sem gás

Ser educado pode causar longas esperas, descaso e coceira local

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Há quem diga que no tempo dos avós as pessoas eram mais formais e solidárias. É bem comum ouvirmos por aí que antigamente isso ou aquilo era melhor, e que hoje em dia todos os caminhos levam à desumanização de nossa espécie.  Pode ser. Não costumo tomar partido quando não sei minimamente do assunto, portanto não questionarei aqui se a educação era mais bem praticada e melhor recebida antes de eu nascer. Para falar a verdade, não me agrada muito a ideia de que depois que eu nasci algo ficou ruim. Não é uma ligação que ajuda muito na auto-estima, menos ainda na disposição em se envolver amigavelmente com os outros tripulantes dessa nossa era mal feita.  Repare só o desânimo de se passar a vida aprendendo e aprimorando um conceito como "ter educação para ser uma boa pessoa" e descobrir, aos vinte e tantos anos, que isso não serviu absolutamente para receber um mínimo de boa vontade e lisura do vizinho aqui do lado. Avaliando um caso recente de complicações ao e