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Mostrando postagens de julho, 2011

Sai da frente

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Você consegue imaginar que alguém seja atropelado por um veículo automotor enquanto atravessa uma passarela, em um dos lugares mais populares do Brasil? Se você é brasileiro, é claro que consegue. No Rio de Janeiro, cidade maravilhosa, onde as tampas dos bueiros alcançam 15 metros, num voo vergonhoso de negligência das autoridades, isso é mais que possível, quase que completamente certo.  Outro dia, estava lá um cidadão, com sua pasta de negócios, subindo a rampa de uma das passarelas da Avenida Brasil, para chegar em segurança ao seu local de trabalho, que fica do outro lado desse córrego urbano, de leito revolto e poluído. Tinha a cabeça cheia, calculava as mil tarefas do dia para que todas coubessem em oito horas de expediente. Andava apressadamente para não se atrasar, consultando o relógio, prestando atenção ao movimento dos carros, quando de repente...  ― Sai da frente!!!  E uma buzina estridente grita junto com a voz do motoqueiro, sem capacete, que vem no sent

Iguais e semelhantes

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Um amigo me disse certa vez que o seu relacionamento conjugal era baseado em lealdade e não em fidelidade, pois para ele eram coisas diferentes. Mas é claro que são diferentes, mesmo que na prova de português você tenha que dizer que são semelhantes. Não existem palavras sinônimas que expressem a mesma coisa. Casos como esse fazem da Gramática Normativa a coisa mais mal falada durante nosso processo de aprendizagem, e depois dele também. Quanta ruindade naquelas regrinhas de acentuação! E a separação silábica? É um veneno. A malvadeza se espalha por todos os verbos e locuções! É um tormento só de olhar! Mas, em vez de propormos uma trégua, a gente briga. E reclama. Cadê o tal sinônimo perfeito? Está escrito aqui que tem que ser palavra com o mesmo significado. E agora? Estar triste sem estar infeliz já derruba qualquer gracinha da Semântica. E ser agradável em qualquer caso, seja reto ou oblíquo, não é de forma alguma ser simpático. Tentamos nos expressar da melhor forma

Cena 4

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_______________________________________________ (...) Orgon, o chefe da família; Cleante, cunhado de Orgon; Dorina, a empregada. ORGON Ah! Bom dia, meu caro cunhado! CLEANTE Eu estava de saída, e estou feliz em te ver de volta: os campos já não têm tantas flores. ORGON Dorina... Meu caro cunhado, espera, por favor. Deixa que, para me tranquilizar, eu me informe sobre as novidades da casa. Tudo correu bem estes dois dias por aqui? O que fizeram? Como vão todos? DORINA A patroa teve febre anteontem até a noite, com uma dor de cabeça muito forte. ORGON E o Tarfuto? DORINA O Tartufo? Vai maravilhosamente bem. Forte e gordo, corado e de lábios rosados. ORGON Coitado! DORINA De noite, ela ficou muito enjoada e não conseguiu comer nada no jantar, tamanha a dor de cabeça! ORGON E o Tartufo? DORINA Jantou sozinho, diante dela, e com muita devoção comeu duas perdizes com meio pernil de carneiro ao molho. ORGON Coitado! DORINA Ela não conseguiu fechar os

Cotilédones

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Em uma noite assim, não precisamos da habitual fogueira no terreiro. É só esperarmos a chegada dos vizinhos mais próximos, a Dona Nena e o Seu Moraes. Eles moram longe, não sei bem o quanto, mas canso de tanto andar no meio do mato quando vamos visitá-los. Ela é calada, tem sotaque engraçado, parece que mistura nossa língua com a dos índios. Já ele é falador, um linguajar rápido, meio embolado, "matraca mais do que a nêga do leite", como diz mãe. Meus irmãos e eu gostamos de brincar soltos quando a noite está clara assim, correndo de um lado para outro. Mas quando nosso pai se acomoda ao lado dos nossos vizinhos, paramos para ouvir. Ele tem as melhores histórias, tem o melhor jeito de contar, olha cada um para ter certeza de que tem nossa atenção. Nós ficamos sentados, formando uma roda que, de início, é animada com piadas e passagens engraçadas. ... foi quando Dona Zefinha perguntou, olhando pro rádio: "ô seu Lauro, cumé qui si faz pra colocá essis homi tocadô a

Alcance o impossível

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“A energia das ondas... a resistência das pedras... a força do vento... Para superar seus limites, é preciso acreditar que eles não existem... Ironman, a nova fragrância masculina da Avon” (Divulgação no site Memória da Propaganda).  O ponto de vista é tudo, diria Nietzsche. Um princípio argumentativo que viabiliza a apresentação de ideias convincentes e bem organizadas pode conseguir mais do que promover a verdade e a propagação do conhecimento. Sim, todo o conhecimento busca a verdade. Mas, a exemplo do que observamos hoje em dia, principalmente nas relações comerciais, em que a lógica consiste em ganhar dinheiro, tem-se a verdade através dos lucros. E estar em oposição à essa verdade não é bem estar na mentira.  Para uma multinacional, que emprega milhões em divulgação do seu produto artificial, que polui e que pode causar câncer, a premissa de que há pontos negativos em sua atividade é verdadeira? Claro que não. Há de se convencer de que seu produto, se bem consumido