Cardápio sinestésico

Depois da euforia inicial com as novas sensações gastronômicas das nossas férias no Chile, fomos tentar novas sensações, com outros sentidos, subindo o Villarrica.


Esse pedacinho do Chile esteve em pânico a última vez em 2010 (um ano antes de nossas férias), por causa do aumento da atividade. Antes disso, um susto em 1984, mas já estavam preparados devido ao evento de 1971, quando uma grande erupção causou uma das maiores tragédias da região. Aprenderam a lidar com as emergências.

Mas agora, nós estávamos lá, no pé da grande montanha, no meio de um dos rios de lava seca que o fogo de 71 esculpiu. Estávamos decididos a chegar até La Casa del Diablo, uma de suas crateras extintas mais visitadas. A caminhada tinha começo agradável, muitas árvores, flores, plantas coloridas e muitas placas indicavam que um dia, naquele lugar, houve animais de pequeno, médio e até grande porte. Mas o que encontramos em abundância foram besouros, daqueles grandes, negros, brilhantes e barulhentos. Seguiram a gente o caminho todo, não dispostos a amizades. O ritual era de agouro, voando em órbita na nossas cabeças, fazendo a gente abanar desordenadamente as mãos enquanto as pernas trabalhavam.

Uma curva, sol, sombra, uma palmada no besouro, outra curva, subindo, subindo, a indicação da trilha, mais curva, mais subida, mais besouro e, de repente, depois de um túnel de árvores, lá estava ela, branca e brilhante, em um pequeno círculo no solo. Vi essa imagem por alguns minutos, inquieta, movendo-me para todos os lados, contente de estar vendo neve pela primeira vez. Chegamos perto, um pé por cima com cuidado; o outro, e fomos andando devagar até ficarmos bem no centro do círculo, sentindo o vapor frio se misturar com a ardência dos raios solares queimando a pele. 

Paramos por uns minutos ali, fotografando e observando tudo. Foi quando veio a brilhante ideia: neve em uma região não habitada... Água limpa! Cavamos o mais fundo que conseguimos, retiramos um punhado daqueles flocos de gelo e comemos, uma, duas, três vezes, para matar toda a nossa sede.

Logo em seguida, chegamos à cratera. A imagem daquilo nem sei se posso descrever. Mas a sensação era de que realmente ali morava El Diablo, Dante não teria desenhado cenário melhor para isso. Sentamos no alto de uma grande pedra de lava seca, olhando a paisagem lá embaixo, o caminho por onde subimos, as montanhas mais ao longe, o céu, o cume branco da montanha, o verde resistente da floresta de insetos. Descansamos com os olhos cheios daquela paisagem misturada, ambígua e confusa de beleza e destruição. Todo o sacrifício valeu aquele momento. 

Já o fato de comer neve eterna... bem, não aconselhamos que façam isso em casa. Se estiverem diante de um bom punhado de gelo, retirado da base de um vulcão em atividade, pensem: isso está contaminado com enxofre e vai lhe causar febre alta, mal estar e sérias dores abdominais por três dias. Experiência própria. 

**

Comentários

  1. Amei a descrição de sua aventura no Villarrica...
    A minha experiência não chegou a tanto, subimos pelo lado mais fácil, de carro...
    Mas, quando a paisagem mudou e comecei a observar aquelas árvores escuras, visual devastado...montes lisos de lava que um dia por la passou e deixou sua marca... Senti naquele momento reverência pelo Nosso Criador, imaginei todas as forças da natureza que podem ser usadas para a sua vontade.
    Uma sensação que nunca vou esquecer....maravilhosa.
    Lindo o seu texto. Continue a escrever.
    Bjs
    Saudades
    Rose

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    Respostas
    1. Obrigada!!!
      Realmente não é possível ficar indiferente à prova de força que a natureza deixou naquele lugar. Foi uma experiência inesquecível.
      Bjs
      Nina

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