Volte sempre


E brasileiro é um povo que trabalha feliz, sorridente, esbanjando simpatia, mesmo quando em condições difíceis, salários baixos e pouco reconhecimento.

É uma mentira deslavada. Vai lá no Maranhão para ver se você acha esse povo aí. Conta-se nos dedos de uma só mão os que apresentam qualquer uma dessas “qualidades brasileiras”. E por ironia, o mais abrasileirado nesse quesito que encontrei foi um suíço, o dono da pousada.

Durante a minha estadia em São Luís, um bocado de serviços foram oferecidos, desde a pessoa que guia você pelos caminhos do paraíso, como uma Beatriz mal humorada, até a pessoa que lava seu carro enquanto cai uma tempestade de poeira por cima. Interação com um bocado de trabalhadores, daqueles que sabem o que fazem, e não fazem, dos que não sabem, e fazem assim mesmo, e derivações dessa combinação; de tudo, ao menos um pouquinho, pode-se ver e sentir como acontece:

― Bom dia, amigo! ― diz o visitante ao entrar no quiosque da praia.

― O que você quer?

Assim mesmo, "na lata", como diriam os cariocas. Está certo. Deve ser bem desagradável trabalhar num calor escaldante, enchendo as mãos de calos no corte dos cocos, andando de lá para cá, servindo mesas e aturando todo o tipo de gente. Mais uma chance para ele:

― Vou querer uma cerveja dessa aqui, por favor. ― diz apontando o cardápio engordurado e cheio de areia.

― Dessa aí não tem.

― E qual você me recomenda?

― Se fosse "pra mim escolher", você é quem tava no meu lugar, né, chefe? Volto quando resolver o que quer.

E lá se vai o brasileiro simpático atender outro cliente que acaba de se achegar ao quiosque muito bem localizado, no meio de um tanto de gente de lugares diversos, que vão lá para conhecer a terra bonita e o povo gentil.

Mais tarde, de volta ao hotel de padrão turístico, indicado pelo taxista do aeroporto, o nosso visitante tenta mais uma vez:

― Boa noite. Por favor, o meu aparelho de ar condicionado não quer ligar. Acho que são as pilhas do controle remoto. Pode mandar alguém me trazer outras?

― Vou mandar separar pilhas novas. Mas vai ter que descer e pegar aqui, se quiser.

Certo, certo, o rapaz da recepção deve estar atrás daquele balcão o dia todo, recebendo as mesmas reclamações, fazendo o mesmo trabalho de preencher ficha, atender telefone, resolver as demandas dos hóspedes... Mais uma chance para ele:

― Tudo bem. Vou direto à recepção?

― Não. Até a sala de refeições. As pilhas custam R$33,00.

Tudo muito óbvio, é claro. Eu não disse que era padrão turístico? Vê-se de longe, do 15º andar, para ser mais exato, o caloroso desejo daquela criatura trabalhadora de que o hóspede fique satisfeito e volte mais vezes. 

"Aguarde um instante que já iremos atendê-lo. Sua ligação é muito importante para nós." Ah, é! Tão importante quanto uma moeda de um centavo, que estorva na bolsa e que só é lembrada quando precisamos dela.

Mas que importa? É Brasil, gente! Terra de povo que trabalha feliz, sorridente, esbanjando simpatia, mesmo quando em condições difíceis, salários baixos e pouco reconhecimento...

**

Comentários

Mais Contados

Diálogo da relativa grandeza

Re-Constitución

Conversa franca