Dívida divina


Imagine Lutero, lá pelos anos de 1500, revoltando-se contra a venda das indulgências pela Igreja Católica e escrevendo as 95 Teses, que, em resumo, questionam a autoridade dos membros da Igreja e a maneira que encontraram de financiar a Basílica de São Pedro em Roma, concedendo por livre e espontânea condição de troca, um perdão por uma esmola. 

Isso nos faz lembrar de algo? Pobre Lutero... Como seria agora, aqui pelos anos 2000, com a abundância de produtos e serviços oferecidos pelas inúmeras igrejas espalhadas por todo canto, em troca de uma esmolinha? Vendem-se perdões, milagres de muitos tipos, "puxadinhos" no céu, uma viagem de volta à Nova Terra... São tantos, que não vão caber na minha nem na sua paciência. 

Para que o necessitado adquira uma dessas ilusões, usa-se de tudo um tudo: caixas de coletas, contas bancárias, carnês, agentes especializados que vão recolher sua contribuição no endereço de sua residência, do seu trabalho, e dar baixa na sua dívida daquele mês para com o deus de sua crença. 

E são muitos os que correm atrás dessas benesses. Vão com tanta fé buscar o que consideram indispensável, essencial, inalcançável por suas próprias forças, que não pensam, nem por um minuto, na inconsistência de uma atitude assim. Pagam o que for preciso pela recompensa divina, sem ter que abrir mão daqueles pecadinhos; ou para serem perdoados sem a inconveniência do arrependimento. É possível tornar-se uma boa pessoa se tiver dinheiro e uma igreja com bons produtos em oferta. 

Em tempos atuais, em que igrejas são erguidas com a mesma facilidade com que se erguem os braços aos céus, que construa-se também verdadeiro culto à honestidade, tanto na oferta quanto na procura. Assim, quem sabe, poderemos ter menos dívidas com Deus e maior lucro na boa convivência com nossos semelhantes.

"E que confiem entrar no céu antes passando por muitas tribulações do que por meio da confiança da paz." (Tese de número 95) 

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