Ser educado pode causar longas esperas, descaso e coceira local


Há quem diga que no tempo dos avós as pessoas eram mais formais e solidárias. É bem comum ouvirmos por aí que antigamente isso ou aquilo era melhor, e que hoje em dia todos os caminhos levam à desumanização de nossa espécie. 

Pode ser. Não costumo tomar partido quando não sei minimamente do assunto, portanto não questionarei aqui se a educação era mais bem praticada e melhor recebida antes de eu nascer. Para falar a verdade, não me agrada muito a ideia de que depois que eu nasci algo ficou ruim. Não é uma ligação que ajuda muito na auto-estima, menos ainda na disposição em se envolver amigavelmente com os outros tripulantes dessa nossa era mal feita. 

Repare só o desânimo de se passar a vida aprendendo e aprimorando um conceito como "ter educação para ser uma boa pessoa" e descobrir, aos vinte e tantos anos, que isso não serviu absolutamente para receber um mínimo de boa vontade e lisura do vizinho aqui do lado.

Avaliando um caso recente de complicações ao exercer cortesia e atenção ao próximo, temos a seguinte situação real: 

Um senhor idoso, simpático, de traços respeitáveis, cabelos brancos, olhar terno, o típico velhinho de histórias infantis. Lá está ele, logo ali, na fila do mercado, no seu corredor preferencial. Vê-se que já está lá há algum tempo, pois a mocinha do caixa teve um pequeno imprevisto com o cliente que estava atendendo, quando foi registrar o pagamento das compras e o sistema rejeitou o cartão, coisas que acontecem. 

O nosso distinto personagem de rugas acentuadas, finalmente recebeu o "boa tarde" amável da mocinha do caixa. Era sua vez de ser atendido e aquela funcionária estava sorrindo e falando com ele, em vez de registrar suas compras. Por quê? Não tinha motivos para ter uma boa tarde, e parte disso era culpa dela.

— Mocinha, você deveria ser menos oferecida e displicente e se concentrar em ser mais rápida. Isso aqui é um caixa que existe justamente para poupar o nosso tempo. Dá para acabar logo com isso, que eu tenho mais o que fazer?

Pois é. A moça se sentiu humilhada e teve seu bocado de boa interação social, partindo de alguém que, supostamente, viveu na época áurea da relação afetuosa entre as pessoas. As consequências, todo mundo sabe: a primeira peça do dominó cai, espalhando a má vontade em torno. Com isso, o próximo da fila será mal atendido pelo ressentimento, quando não, ignorado em alguma necessidade simples, e sairá confuso, indignado com o comportamento dos jovens, sem entender por que as pessoas não mais se tratam com educação e respeito, como era na sua época. "Ah, sim... aqueles é que foram bons tempos..."

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Comentários

  1. Cara Nina linda!
    Compreendo perfeitamente seu raciocínio, as pessoas falam mesmo que antigamente era assim, assado e quase sempre mais bem apurado no tempero do que hoje em dia. Mas nem todos os mais velhos cabem nessa descrição assim como nem todos os jovens são alienados, egoistas. As pessoas são o que aprendem ser, a educação aquela dada em casa pelos pais hoje em dia foi tolhida por um desequilibrio entre umas palmadas e a violência doméstica, entre uma torrente de informação que apanha um idoso desprevenido e ainda o derruba na qual os bebês conseguem surfar sem medo... A vida é mesmo muito estranha e o mundo em que vivemos obscuro! Parabéns o blog "Conto e Não-Conto" fica cada post ainda mais interessante que o anterior

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    Respostas
    1. Obrigada, Lila, por esse seu comentário. Sim, certamente o que está escrito aqui não é fórmula dada. Para nosso alívio, há pessoas definitivamente agradáveis e educadas em todas as idades.
      Você me devolve justamente o que eu queria com esse blog: que as pessoas entrassem, lessem, se divertissem e refletissem; justamente porque, citando você, se me permite, "a vida é mesmo muito estranha e o mundo em que vivemos obscuro!"
      Então vamos Contar para ver se clareia?
      Obrigada de novo,
      Beijos

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