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Mostrando postagens de 2011

Diálogo da relativa grandeza

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(...)  Doril não disse mais nada, qualquer coisa que ele dissesse ela aproveitaria para outra acusação. Era difícil tapar a boca de Diana, ô menina renitente. Ele preferiu continuar olhando o louva-a-deus. Soprou-o de leve, ele encolheu-se e vergo o corpo para o lado do sopro, como faz uma pessoa na ventania. O louva-a-deus estava no meio de uma tempestade de vento, dessas que derrubam árvores e arrancam telhados e podem até levantar uma pessoa do chão. Doril era a força que mandava a tempestade e que podia pará-la quando quisesse. Então ele era Deus? Será que as nossas tempestades também são brincadeiras? Será que quem manda elas olha para nós como Doril estava olhando para o louva-a-deus? Será que somos pequenos para ele como um gafanhoto é pequeno para nós, ou menores ainda? De que tamanho, comparando – do de formiga? De piolho de galinha? Qual será o nosso tamanho mesmo, verdadeiro?  Doril pensou, comparando as coisas em volta. Seria engraçado se as pessoas fossem cri

Apaixonar-se

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Sabem o que o dicionário diz a respeito da paixão? De curiosidade fui lá ver. Dentre as definições, estava:  "Perturbação ou movimento desordenado do ânimo." Concordei instantaneamente. Sem discussão. É isso e pronto. Para comprovar, é  só fazer as contas de quanto tempo acumulamos sentindo falta da outra pessoa, quantas vezes queremos ver, ouvir e senti-la; calcular as probabilidades de agradá-la, estar sozinho passa a ser menos interessante, menos praticável.  Ah, mas então podem dizer: não, esses cálculos não se aplicam à paixão, é sobre amor. Certo, certo. Mudou de nome o assunto. Voltemos ao dicionário:  "Sentimento que induz a aproximar, a proteger ou a conservar a pessoa pela qual se sente afeição ou atração." Pronto! Agora sim, não dá mais para se ter certeza de nada. É amor ou paixão isso aí que você está sentindo? Só resta nos resignar à inexplicável capacidade de sentir e não dizer, apesar de quase todo mundo só acreditar que a

Última palavra

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Deixe-me ver seu sorriso, Depois de anos separados. Quero de volta aquela vida E ter de novo seus cuidados. Deixe-me ver seus olhos, De cores verdes misturado com azul, Que envolve meu coração E traz de volta antiga emoção. (...) Agora lhe peço: Deixe-me vê-la por inteiro; Te ver caminhar, Sorrir e cantar, Sonhar e dormir. Está chegando minha hora, Pouco tempo me resta, Fique ao meu lado, Cante para mim, Sorria para mim, E nesse último suspiro te digo: Adeus... Este é meu fim... (Ensaio para a primeira tentativa de escrever um poema de Bella, amiga e colaboradora.)

Trecho de O conto da ilha desconhecida

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(...)  Não valia a pena ter-se preocupado tanto. O sol havia acabado de sumir-se no oceano quando o homem que tinha um barco surgiu no extremo do cais. Trazia um embrulho na mão, porém vinha sozinho e cabisbaixo. A mulher da limpeza foi esperá-lo à prancha, mas antes que ela abrisse a boca para se inteirar de como lhe tinha corrido o resto do dia, ele disse, Está descansada, trago aqui comida para os dois, E os marinheiros, perguntou ela, Não veio nenhum, como podes ver, Mas deixaste-os apalavrados, ao menos, tornou ela a perguntar, Disseram-me que já não há ilhas desconhecidas, e que, mesmo que as houvesse, não iriam eles tirar-se do sossego dos seus lares e da boa vida dos barcos de carreira para se meterem em aventuras oceânicas, à procura de um impossível, como se ainda estivéssemos no tempo do mar tenebroso, E tu, que lhes respondeste, Que o mar é sempre tenebroso, E não lhes falaste da ilha desconhecida, Como poderia falar-lhes eu duma ilha desconhecida, se não a conhe

Quanto mais...

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Um bom programa no Rio de Janeiro: seguro, de fácil acesso, tem de tudo, desde os caras que cobram, engraxando ou não o seu sapato, passando pelos que oferecem táxi, cardápios, troca de moedas, até aqueles que fingem não estar vendendo nada, porque o que conta mesmo é o fato de estarem trabalhando numa loja super-chique de super-jóias.  Esse é o lugar para ir, a qualquer dia da semana, com a família. Por isso, lógico, estava eu lá com todos os meus sete filhos, a babá e minha esposa. Ocupávamos as cadeiras da sala de espera da Polícia Federal. Sala de espera não é bem verdade, estava mais para corredor da morte, onde o executado é o seu tempo.  Eu, mais 23 famílias, e umas oito pessoas que foram sozinhas (gente estranha essa que anda sozinha num lugar desses!), lotávamos o corredor de espera, no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro. Ali, eram aguardados os números das senhas no painel eletrônico, suspenso sobre nossas cabeças. Meus filhos, e os outros tantos que est

Volte sempre

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E brasileiro é um povo que trabalha feliz, sorridente, esbanjando simpatia, mesmo quando em condições difíceis, salários baixos e pouco reconhecimento. É uma mentira deslavada. Vai lá no Maranhão para ver se você acha esse povo aí. Conta-se nos dedos de uma só mão os que apresentam qualquer uma dessas “qualidades brasileiras”. E por ironia, o mais abrasileirado nesse quesito que encontrei foi um suíço, o dono da pousada. Durante a minha estadia em São Luís, um bocado de serviços foram oferecidos, desde a pessoa que guia você pelos caminhos do paraíso, como uma Beatriz mal humorada, até a pessoa que lava seu carro enquanto cai uma tempestade de poeira por cima. Interação com um bocado de trabalhadores, daqueles que sabem o que fazem, e não fazem, dos que não sabem, e fazem assim mesmo, e derivações dessa combinação; de tudo, ao menos um pouquinho, pode-se ver e sentir como acontece: ― Bom dia, amigo! ― diz o visitante ao entrar no quiosque da praia. ― O que você quer

3 e vinte

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Ele, a 7750km de distância, 216 horas após beijo de despedida lá teu sono assisto em noite serena da manhã sorriso cá saudoso acena Ela, em resposta ao quase-poeta Viver cada segundo como nunca mais. Vinícius diz, nós já sabíamos. Já lembrávamos que há amanhã, E que vai passado e vira ontem. O que sobra são marcas na pele, Histórias efêmeras de dez mil e uma noites, Sobra tudo o que é importante Em segundos como nunca mais. E se vão em bits orgânicos Para o sonho que alimenta nosso delírio. Desde o início certo, há o amanhã, Além do mesmo sempre, e termina Feito de segundos como nunca mais. Após segundos marcados, Segundos descompassados, Segundos imortais. **

Dívida divina

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Imagine Lutero, lá pelos anos de 1500, revoltando-se contra a venda das indulgências pela Igreja Católica e escrevendo as 95 Teses, que, em resumo, questionam a autoridade dos membros da Igreja e a maneira que encontraram de financiar a Basílica de São Pedro em Roma, concedendo por livre e espontânea condição de troca, um perdão por uma esmola.  Isso nos faz lembrar de algo? Pobre Lutero... Como seria agora, aqui pelos anos 2000, com a abundância de produtos e serviços oferecidos pelas inúmeras igrejas espalhadas por todo canto, em troca de uma esmolinha? Vendem-se perdões, milagres de muitos tipos, "puxadinhos" no céu, uma viagem de volta à Nova Terra... São tantos, que não vão caber na minha nem na sua paciência.  Para que o necessitado adquira uma dessas ilusões, usa-se de tudo um tudo: caixas de coletas, contas bancárias, carnês, agentes especializados que vão recolher sua contribuição no endereço de sua residência, do seu trabalho, e dar baixa na sua dívida

A batalha

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Na primeira vez, houve muitos estampidos. Consegui me abaixar, porém fui atingido. Pensei estar no Maracanã e gritei todos os palavrões que vieram a minha cabeça. Alguns instantes se passaram e vi que o melhor era esperar a situação se acalmar, para que eu pudesse enfim fazer uma aproximação. Nessa hora, quase desisti de enfrentar o inimigo ali esparramado na frigideira, imóvel, aparentemente domado, mas não me dei por vencido. E concluí que enquanto está cru, envolvido em sua casa frágil, ele é considerado um fresco ou inofensivo, porém, para torná-lo frito a chapa literalmente esquenta.  No livro A Arte da Guerra , há passagens dizendo que você precisa conhecer bem o seu inimigo para poder enfrentá-lo. Digamos que pulei essa parte, fui diretamente ao confronto face a face. Animado, coloquei um pano de prato sobre o braço esquerdo (esse seguraria o cabo da frigideira) e a mão direita, munida de "espumadeira", eu usaria como um esgrimista para atingi-lo ― claro que

O que se leva

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É difícil compreender como algumas pessoas sentem tanta necessidade de mostrar ao mundo, a todo custo, o sofrimento pela morte de um famoso que nunca nem viram de perto. Bom, cada um tem seu jeito. É uma condição irrevogável, que facilita muito se entendermos e aceitarmos logo.  A minha opinião pode alcançar quem concorde, discorde, ou quem simplesmente ache tudo insignificante. Duvido muito ser importante o modo pelo qual expresso meus sentimentos em relação à morte de um grande artista, se sofro a ponto de me vestir como ele e sair por aí fazendo imitações ridículas, ou se faço greve de fome, de banho, de silêncio...  Para mim, mais produtivo e prático seriam uns momentos de reflexão. Mortes semelhantes à de Amy Winehouse poderiam nos fazer pensar em como alguns lidam com a vida, enfrentam as dificuldades, cuidam de sua própria existência, e como se vão de um jeito tão estúpido, levadas pela própria ação. Não digo que Winehouse, ou outro alguém com a mesma sorte, merec

Sai da frente

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Você consegue imaginar que alguém seja atropelado por um veículo automotor enquanto atravessa uma passarela, em um dos lugares mais populares do Brasil? Se você é brasileiro, é claro que consegue. No Rio de Janeiro, cidade maravilhosa, onde as tampas dos bueiros alcançam 15 metros, num voo vergonhoso de negligência das autoridades, isso é mais que possível, quase que completamente certo.  Outro dia, estava lá um cidadão, com sua pasta de negócios, subindo a rampa de uma das passarelas da Avenida Brasil, para chegar em segurança ao seu local de trabalho, que fica do outro lado desse córrego urbano, de leito revolto e poluído. Tinha a cabeça cheia, calculava as mil tarefas do dia para que todas coubessem em oito horas de expediente. Andava apressadamente para não se atrasar, consultando o relógio, prestando atenção ao movimento dos carros, quando de repente...  ― Sai da frente!!!  E uma buzina estridente grita junto com a voz do motoqueiro, sem capacete, que vem no sent

Iguais e semelhantes

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Um amigo me disse certa vez que o seu relacionamento conjugal era baseado em lealdade e não em fidelidade, pois para ele eram coisas diferentes. Mas é claro que são diferentes, mesmo que na prova de português você tenha que dizer que são semelhantes. Não existem palavras sinônimas que expressem a mesma coisa. Casos como esse fazem da Gramática Normativa a coisa mais mal falada durante nosso processo de aprendizagem, e depois dele também. Quanta ruindade naquelas regrinhas de acentuação! E a separação silábica? É um veneno. A malvadeza se espalha por todos os verbos e locuções! É um tormento só de olhar! Mas, em vez de propormos uma trégua, a gente briga. E reclama. Cadê o tal sinônimo perfeito? Está escrito aqui que tem que ser palavra com o mesmo significado. E agora? Estar triste sem estar infeliz já derruba qualquer gracinha da Semântica. E ser agradável em qualquer caso, seja reto ou oblíquo, não é de forma alguma ser simpático. Tentamos nos expressar da melhor forma

Cena 4

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_______________________________________________ (...) Orgon, o chefe da família; Cleante, cunhado de Orgon; Dorina, a empregada. ORGON Ah! Bom dia, meu caro cunhado! CLEANTE Eu estava de saída, e estou feliz em te ver de volta: os campos já não têm tantas flores. ORGON Dorina... Meu caro cunhado, espera, por favor. Deixa que, para me tranquilizar, eu me informe sobre as novidades da casa. Tudo correu bem estes dois dias por aqui? O que fizeram? Como vão todos? DORINA A patroa teve febre anteontem até a noite, com uma dor de cabeça muito forte. ORGON E o Tarfuto? DORINA O Tartufo? Vai maravilhosamente bem. Forte e gordo, corado e de lábios rosados. ORGON Coitado! DORINA De noite, ela ficou muito enjoada e não conseguiu comer nada no jantar, tamanha a dor de cabeça! ORGON E o Tartufo? DORINA Jantou sozinho, diante dela, e com muita devoção comeu duas perdizes com meio pernil de carneiro ao molho. ORGON Coitado! DORINA Ela não conseguiu fechar os

Cotilédones

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Em uma noite assim, não precisamos da habitual fogueira no terreiro. É só esperarmos a chegada dos vizinhos mais próximos, a Dona Nena e o Seu Moraes. Eles moram longe, não sei bem o quanto, mas canso de tanto andar no meio do mato quando vamos visitá-los. Ela é calada, tem sotaque engraçado, parece que mistura nossa língua com a dos índios. Já ele é falador, um linguajar rápido, meio embolado, "matraca mais do que a nêga do leite", como diz mãe. Meus irmãos e eu gostamos de brincar soltos quando a noite está clara assim, correndo de um lado para outro. Mas quando nosso pai se acomoda ao lado dos nossos vizinhos, paramos para ouvir. Ele tem as melhores histórias, tem o melhor jeito de contar, olha cada um para ter certeza de que tem nossa atenção. Nós ficamos sentados, formando uma roda que, de início, é animada com piadas e passagens engraçadas. ... foi quando Dona Zefinha perguntou, olhando pro rádio: "ô seu Lauro, cumé qui si faz pra colocá essis homi tocadô a

Alcance o impossível

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“A energia das ondas... a resistência das pedras... a força do vento... Para superar seus limites, é preciso acreditar que eles não existem... Ironman, a nova fragrância masculina da Avon” (Divulgação no site Memória da Propaganda).  O ponto de vista é tudo, diria Nietzsche. Um princípio argumentativo que viabiliza a apresentação de ideias convincentes e bem organizadas pode conseguir mais do que promover a verdade e a propagação do conhecimento. Sim, todo o conhecimento busca a verdade. Mas, a exemplo do que observamos hoje em dia, principalmente nas relações comerciais, em que a lógica consiste em ganhar dinheiro, tem-se a verdade através dos lucros. E estar em oposição à essa verdade não é bem estar na mentira.  Para uma multinacional, que emprega milhões em divulgação do seu produto artificial, que polui e que pode causar câncer, a premissa de que há pontos negativos em sua atividade é verdadeira? Claro que não. Há de se convencer de que seu produto, se bem consumido

Discurso em homenagem

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Era o ano de 1996. Bill Clinton se reelegeu presidente. O Brasil trouxe dos Jogos Olímpicos, em Atlanta, quinze medalhas. Fernando Henrique aprovou leis contra o fumo em ambientes fechados. E foi também o ano de minha formatura. Todas as outras coisas que aconteceram ficaram em algum lugar, mas isso veio comigo e é assim que me lembro desse ano. Foi um dia irreal, como um daqueles que parecem passar em câmera lenta. Os preparativos, a agitação das pessoas, os detalhes... Tudo girando numa lâmpada incandescente gigante cheia de óleo aromático. Eu e minha família nos arrumando ao cair da tarde e nos dirigindo para o local onde seria realizada a cerimônia de formatura. Olhava para os meus filhos e meu marido sentados a minha frente, nas cadeiras reservadas. E nós, a turma de formandos, juntos, sentados do outro lado. Era um orgulho imenso ver que minha família estava lá para me ver, testemunhava o que por vezes nem eu acreditava: eu havia conseguido. Senti como se toda a minha

Lição de casa

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As crianças refaziam, a perder as contas, o tal círculo que serviria de base para a figura final. Muitos traços tortuosos, por causa da pouca prática nesse tipo de aventura, deixavam dúvidas sobre o que intencionavam desenhar. A professora orientava que, depois de unir as duas pontas da linha, uma "perninha" começaria a nascer pelo lado indicado na lousa e, assim, teríamos a primeira letra do nosso alfabeto, o que me desanimava bastante, já que teria de presenciar o nascimento de mais vinte e tantas. Sentia-me como um obstetra alterado. Ao fim do exaustivo exercício, precisava conferir e elogiar o trabalhinho de meus assistidos, Janice e Léo. Um casalzinho simpático que não se suportavam (e quem suportaria?), mas que se tornaram minha sentença, por ter invadido a sala dos professores para descobrir quem era o namorado da professora de francês. Isso porque ela era a única da escola que merecia minha pirraça adolescente. Hormônios descontrolados e imaturidade no mes